9.8.07

Número 227

ÓRFÃOS

 

É complicado ser órfão no Dia dos Pais: um patinho feio que será esquecido por todos os anúncios e cartões da data. Pai morto não ganha furadeira ou espeto de churrasco. E, muito menos, pagará a conta do presente que o filho lhe comprar. Mas existe muita gente que encontra mais motivos para chorar do que para sorrir no segundo domingo de agosto. À revelia dos departamentos de marketing.

 

Entre os amigos pessoais que perdi e a maior tragédia aeronáutica do Brasil, nenhum outro Dia dos Pais me avizinhou com tantos falecimentos como esse de 2007. Dos tantos órfãos que surgiram ao meu redor, embalados por fatalidades pessoais e coletivas, cada qual sofrerá a dor da separação de modo particular, apanhado pela fatalidade em momentos distintos da existência.

 

Como é o caso de um pequeno amigo, bebê lindo e de olhos azuis, que ganhou do pai os mais afetuosos abraços do mundo, mas terá essa lembrança impressa apenas no coração, e não na memória. Quem lhe deu a vida partiu muito cedo, antes mesmo de ganhar, em retribuição, o valioso porta-lápis pintado com tinta têmpera na sala de jardim de infância. Caberá à mãe, aos tios e amigos, a incumbência de contar as histórias do pai, para garantir-lhe a presença. Justo (injusto!) um pai conhecedor de tantas histórias que mereciam ser compartilhadas.

 

No dia dezessete de julho, data do vôo TAM3054, muitas outras crianças também perderam os pais. E o fato de algumas serem crescidas, levando para adiante boas lembranças paternas, não será de modo algum suficiente consolo. Ao contrário, receberam da vida um ensinamento duro e precoce: o de que o papai super-homem não é invencível. Todo cuidado será necessário para que o medo não seja a companhia destes pequenos.

 

Igualmente, jovens e adolescentes, às pencas, acabaram por se despedir para sempre de seus velhos nada velhos no aeroporto. Com isso, deixarão de receber preciosos conselhos que fariam questão de ignorar para, mais tarde, compreender. Sobre seus ombros, pesará o amadurecimento instantâneo imposto pela orfandade. Já tendo passado por isso, mesmo que em outro momento da vida, garanto: Quando morre o pai, parecemos envelhecer décadas em um instante. Torço para que todos suportem a carga.

 

Porém, de todas as mortes que assaltaram minha (nossa) rotina nesses dias, existe uma que traz consigo a maior de todas as dores. Ela é uma orfandade ao contrário: a que se impõe ao pai no sepultamento do filho. Afinal, na medida em que o homem se torna perpétuo em sua descendência, morre seu futuro quando o destino lhe ceifa o herdeiro. Esta é a maior provação pela qual pode passar um pai.

 

Sou pai, e temo mais pela vida dos filhos, do que pela minha própria. Desde que o primeiro me chegou ao colo, ainda na sala de parto, conheci a maior alegria do mundo. Ela só encontra magnitude rival com a responsabilidade que nasce junto com aquela vida que ajudamos a gerar. Cumpro meu encargo enfrentando o desgaste da educação, o tolhimento da liberdade, as renúncias voluntárias. Nenhum sacrifício, diga-se.

 

Nesse Dia dos Pais, quero me solidarizar com os órfãos, crianças e jovens, marcados em perdas recentes. E, principalmente, com os pais que se despediram de seus filhos muito antes da hora, dor imensa. Vocês não estão estampados em nenhum cartaz de loja. Mesmo assim, conhecem como ninguém o significado das palavras presente e lembrança.

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