28.3.08

Número 257

PARÁBOLA HIPERBÓLICA

O líder do governo e o líder da oposição estão caminhando pelo corredor do plenário da Câmara quando tropeçam em uma lâmpada maravilhosa. O primeiro acusa o oposicionista de tentar derrubar o governo. O segundo aponta falhas na coleta de lixo. Ambos, porém, seguram a lâmpada e a puxam para si. Neste jogo de forças terminam por esfregá-la nas mangas dos paletós, evocando um gênio que estava adormecido desde tempos imemoráveis.

O gênio anuncia os três desejos de praxe. Como não faz idéia de quem o libertou, pede para que se entendam com relação aos pedidos. O líder do governo reivindica para si o monopólio dos desejos, uma vez que, de acordo com a própria oposição, a coleta do “lixo” é de sua responsabilidade. O líder da oposição apresenta outra tese: se houve tentativa de derrubada do governo com a lâmpada, ela e seus pedidos pertencem à oposição. O gênio aparta mútuas agressões. Os líderes concluem que o gênio postado ali, entre eles, só atrapalha. Mandam e puf: lá vai o gênio para uma poltrona da galeria. (cumpriu o primeiro pedido)

O líder do governo sobe ao púlpito para um pronunciamento. Acusa o líder da oposição de barrar os atos do Poder Executivo, que no momento conta com a ferramenta mais eficaz de implementação do bem-estar nacional: uma lâmpada encantada e três desejos. Projeta um país sem miséria, sem fome, sem analfabetismo. Louva a saúde pública que nascerá dos novos tempos; a infraestrutura, o saneamento básico e o sistema financeiro equilibrado. Diz que não admite o tom oportunista e ímpeto destruidor da oposição. Desce ovacionado pelos partidos da base aliada.

Quando chega na tribuna para suas palavras, o líder da oposição alerta para o risco que corre a democracia com o uso eleitoreiro da magia. Pergunta se é seguro franquear unicamente ao governo o poder libertado da lâmpada – uma manobra, bem ou mal, conjunta. Além do mais, como confiar nas promessas de quem faz tudo o que combatia quando as posições estavam invertidas? Encerrando o pronunciamento, o líder da oposição se dirige ao líder do governo dizendo que age igual ao governo no tempo em que era oposição, não podendo, deste modo, ser condenado por isso. O gênio, mesmo sendo um gênio, não consegue acompanhar a lógica ou os aplausos.

Dezenas de parlamentares de diversos partidos se inscrevem para discursar, cada um defendendo o legítimo direito de seu grupo usar o poder de modo arbitrário. Por duas vezes o gênio levanta a mão, alegando ter a saída para o impasse. Em uma, pedem para que se cale, pois é vetada a manifestação das galerias. (ele atende ao segundo pedido) Na outra, solicitam que se retire, ou chamarão a segurança. (enfim, o terceiro pedido).

O gênio retorna para a lâmpada convicto de que as instituições democráticas do país estão bastante sólidas. O problema continuará sendo a distribuição de renda, a saúde pública, educação, infraestrutura etc. Sem que ninguém perceba, a senhora do cafezinho recolhe a lâmpada junto com jarros de água. No dia seguinte, os embates no Plenário da Câmara ganham as manchetes dos jornais. E, perdida em notinha de pé de página, sai a notícia de que a Mega-Sena foi sorteada para a Capital Federal.

Convite!


19.3.08

Número 256

CONCORRÊNCIA PASCAL

 

Aproxima-se o final do convênio dos coelhos para animal símbolo da Páscoa. O Criador dá sinais de que pode não fazer outra renovação automática. Com tais rumores, os exemplares do Diário Oficial se esgotam rapidinho. E, de acordo com o Edital, para participar dessa concorrência animalesca é preciso cumprir uma exigência prévia: não estar em vias de extinção – sabe como é, os contratos com o Senhor são longos. Cumprida a premissa, basta à espécie encaminhar um envelope com breve arrazoado defendendo os motivos para ser, dali em diante, a nova alegoria de fertilidade. Tive acesso a algumas propostas. Revelo com exclusividade.

 

Ratos de Páscoa.

Nós, ratos, pleiteamos o cargo de animal símbolo da Páscoa por sermos tão ou mais férteis do que os coelhos. Além do mais, somos mais numerosos. Muitos de nós prestam relevantes serviços à ciência (ratos tão brancos quanto os tradicionais coelhinhos). Com adequado trabalho de marketing, revertemos fácil qualquer imagem negativa – vide os cases do Topo Gigio, Stuart Little, Ratatui e, claro, do Mickey. Periodicamente, podemos promover a integração Ocidente/Oriente via Ano do Rato do calendário chinês. Por fim, temos o apoio de grupos econômicos de peso (Disney) e somos mais onipresentes do que MacDonald's.

 

Galinhas de Páscoa.

Nós, galinhas, nos candidatamos ao cargo de animal símbolo da Páscoa por atender plenamente o critério da fertilidade. A proximidade com o homem e a continuidade da espécie são garantidas por larga criação em cativeiro. Além do mais, nosso macho, o galo, já participa ativamente da vida cristã, tendo uma importante missa batizada com seu nome. O primo peru, só para ficar nas motivações familiares, representa com dignidade a classe das penosas no Natal. A pomba, na celebração da paz. Porém, o maior diferencial de nossa oferta é a extinção do dilema dos pais em época pascal: explicar o porquê do coelho se ele não põe ovos.

 

Formigas de Páscoa.

Nós, formigas sindicalizadas, reivindicamos o direito de galgarmos o posto de verdadeiro e único animal símbolo da Páscoa (tema de Ação Trabalhista em curso). Afinal, desde o começo da tradição de se oferecer presentes de origem alimentícia, mui especialmente chocolate, já fazemos parte da festa de modo informal e clandestino. E somos vítimas de perseguição e morticínio nessa jornada. Denunciamos, também, que os coelhos ganham sem trabalhar: a criança chega no ninho e nunca, jamais encontra um só roedor. Mas, se vacilar, lá estaremos nós, as diligentes formigas. Centenas de nós. Milhares! Logo, sobre fertilidade, nem precisamos falar.

 

Bicho-Preguiça de Páscoa.

Sabemos que fertilidade não é o nosso forte. Tampouco botamos ovos. Somos encontrados somente em florestas tropicais. Não temos nenhum elo com o Cristianismo além do fato de sermos filhos de Deus (e até Ele duvida). Por nós, ficávamos aqui bem quietinhos, cuidando para não sumir do mapa junto com o as matas nativas. Mas existe um lobby de pais para que nos candidatemos ao cargo de animal símbolo da Páscoa. Motivo: quando a data se avizinha, as crianças surtam, o comércio enlouquece, a imprensa exagera, a Igreja diz que nada disso tem valor sem Cristo no coração e eles, os pais, são tomados por uma súbita, fértil e imorredoura preguiça...

Achado não é roubado 3

ACHADO NÃO É ROUBADO

 

DIVISOR DE ÁGUAS
 

Antes da ecografia, especulava-se o sexo do bebê antes do parto. Depois... Bom, depois, só depois.

13.3.08

Comunicado importante!

OFICINA DE CRÔNICAS DE RUBEM PENZ

A crônica – texto ágil e em primeira pessoa – é uma das mais amistosas portas para a literatura, tanto para quem lê, quanto para quem pretende se expressar. Ao mesmo tempo, é um gênero literário muito flexível, capaz de exercitar a abordagem criativa e o raciocínio da gama de escritores que abrange os iniciantes e os experimentados. Estas são as premissas para a oficina do escritor e músico Rubem Penz.

Aulas nas terças das 9h até 11h30min (início em 25/03/2008)

e nas segundas das 14h até 16h30min (início em 31/03/2008).

MAIS INFORMAÇÕES NO

CENTRO CULTURAL AUXÍLO AO TEMA

Fone (51) 3268.8899

 

Número 255

 

Novos pecados de A a Z

 

         Eu desconfiava que isso aconteceria cedo ou tarde: o total exagero regulatório brasileiro acabar fazendo escola. Temos, para quem não sabe, lei para tudo. E, principalmente, para ser descumprida. Agora, a Santa Igreja Católica, que durante anos – séculos! – se contentou com dez mandamentos e sete pecados capitais, cai em tentação e lança outros seis pecados, os ditos sociais. Meu Deus, para quê? Mas, já que é assim, tenho as minhas contribuições para uma próxima leva de novos pecados, listadas em ordem alfabética:

 

AAbdicar de todo o prazer. O típico pecado de quem tem medo de pecar.

BBolinar mulher no ônibus. Não caia em tentação!

C – Cuspir no prato que te alimentou. Nascido da sabedoria popular.

DDepredar patrimônio público. Crime que, muitas vezes, é também um grande, repugnante, inominável pecado.

EEleger políticos sem escrúpulos. Pecado federal. E estadual e municipal.

FFumar no carro, com os vidros fechados e crianças no banco de trás. Que pecado!

GGanhar salário sem trabalhar. Pecado que funciona igual na ordem invertida.

HHoje não! Mulheres, isso às vezes é um pecado!

I  Infringir, conscientemente, as leis do trânsito. Os outros que paguem os pecados...

JJulgar-se o dono da verdade. Sim, é pecado grave. Mas posso estar enganado, claro.

LLigar em 220V um aparelho 110V. Ah, não! Pecado com penalidade instantânea.

MMorrer jovem. É ou não é um pecado?

NNunca ter amado de paixão. Aí nem sei se é pecado ou castigo.

OOuvir um só tipo de música. Conhecido como pecado radical.

PPerguntar a idade de uma dama. Pecado contra a educação!

QQuindim com uma enorme mosca pousada em cima. Deus, que pecado!

RRasgar fotografias. Sei lá: acho isso um pecado contra a posteridade.

SSalvar a pele às custas dos outros. Sujeito desses merece ir para o Céu?

TTraficar drogas defronte uma escola. Sem perdão!

UUsar crianças como escudo. Vale no sentido literal e figurado.

VVestir calça listada com camisa xadrez. Nossa! Que pecado!

XXenofobia. De fato, aí está um bom exemplo de pecado para constar em qualquer lista.

ZZombar de assuntos sérios. Caso algum padre esteja lendo a crônica, garanto que não foi esse o intuito. Mesmo assim, se for interpretado dessa maneira – de fato, corro o risco –, já peço perdão.

Conto contíguo 3

CONTO CONTÍGUO

 

BINÓCULO

 

         Espero, paciente, ela adormecer. Sigo sua rotina com devota atenção: bem sei quando repousa em cada um dos dias da semana. Então, recorro à minha gaveta de cabeceira e apanho o binóculo. Ele, somente ele, nos deixa no afastamento ideal – o mensurado equilíbrio entre distância e proximidade. Através dele, ponho-me a observar.

         Ela tem um sono tranqüilo. Inabalável. Cobre-se pouco e, na visão furtiva, acompanho os falsos movimentos nascidos da luz hesitante da TV, ainda acesa. Ajusto o foco em busca de mais detalhes... Quem sabe hoje penetro em seus sonhos? Este ânimo, noite após noite em desatinada insônia, faz correr o tempo de minha vigília.

Esgotado o prazo do timer – às vezes trinta, outras sessenta minutos –, a TV apaga e o quarto imerge no escuro e no silêncio.  Condenado a vultos, liberto a imaginação: beijo seus pés, apenas o começo do roteiro de delícias percorrido por meus lábios. Aspiro fundo o aroma de seus cabelos e roubo um pouco do seu hálito. É quando ela me vê, quase num susto. Sorri e se entrega com a generosidade das amantes.

Ah como eu queria a oportunidade de contar-lhe essa minha história. Revelar exatamente como ela é quando vista à distância, depois de cruzar as lentes. Dizer em pormenores o que faz, tudo o que me diz, como me trata. Emprestar-lhe o binóculo, também, na esperança de corresponder com igual magia. Por enquanto, me falta coragem para fazê-lo.

Desviro o binóculo do contrário e aponto na direção da janela: cresce a lua minguante, testemunha calada dos meus delírios. Suspiro. Abro outra vez a gaveta e o guardo de volta. Confiro o quanto é tarde no rádio-relógio e deito ao lado dela. Que, sem despertar, move-se inocente para perto de mim.

 

7.3.08

Número 254

 

ASTROS DO ESPORTE

 

Digamos que quatro meninos trocam passes aproveitando o domingo de sol no gramado do parque. Por acidente, a bola escapa para longe, lá onde estão caminhando os adultos e suas coronárias saudáveis. Se a ela chegasse a um Leonino, ele a levantaria com o lado de fora do pé, dava três embaixadinhas, chutaria para cima, mataria no peito e, de letra, mandaria a bola de volta para as crianças. Depois, discretamente, olharia para os lados, para conferir quantos haviam assistido o show.

 

Mas suponhamos que ela corresse na direção de um Virginiano e um Ariano, muito mais à feição do primeiro. De início, o nascido em Virgem pensaria na obrigação ética de devolver a bola aos meninos. Mas vacilaria em como fazê-lo sem correr o risco de torcer o pé... Enquanto isso, cruzando como uma flecha, o Ariano passaria na sua frente, conduziria a pelota e, chegando nas crianças, daria uma bronca: e se a bola fosse para o meio da rua? Já pensaram no risco? Onde estão os pais de vocês?

 

Se a bola atingisse um Pisciano, ele a pegaria nas mãos espantado. Buscaria, então, sinais nesta coincidência: tanta gente ali caminhando e a bola cai justo para ele! A divagação seria interrompida por um Escorpiano com pouca paciência, já o acusando de atrapalhar o futebol da gurizada. E que, sem pedir licença, pegaria a bola para si, dando um balão para devolvê-la às crianças e retomando a caminhada sem olhar para trás. O primeiro ficaria lá, pensando no destino da raça humana neste ritmo de stress.

 

Caso a bola caísse para um Libriano, este perguntaria bem alto de quem foi a culpa: um deu o chute torto, ou o outro que não dominou? Dependendo da resposta, um ou o outro precisaria buscar a bola ali mesmo, para aprender a ter mais cuidado. Se fosse um Aquariano, não resistiria em ir até os meninos para planejar em grupo uma outra forma de jogar, inovadora, segura e capaz de evitar novas escapadas da bola.

 

Os amigos Sagitariano e Canceriano que caminhassem lado a lado receberiam a bola com bom humor, caso assim ocorresse. O homem-cavalo bateria no ombro do homem-caranguejo e o convidaria para jogarem com os meninos, saindo em disparada e sem esperar resposta. O outro o seguiria com "quem sabe a gente continua a caminhada", "não sei se é uma boa idéia", "pode pegar mal" etc. No final, o Sagitariano rolaria pelo chão, gritaria, marcaria vários gols. Enquanto o Canceriano jogaria, sim, mas preocupado em estar pagando um mico.

 

 O Taurino devolveria a bola de bate-pronto. E daria um tempo em sua caminhada para avaliar o desempenho dos jogadores. Quem sabe estaria entre eles um novo Falcão ou Zico? Na certa, precisaria de um bom empresário... O Geminiano não seria assim tão imediato na devolução da bola, caso ela viesse em sua direção. Seria preciso ponderar suas próprias habilidades antes de chutar. E pensar no risco de a bola bater em alguém, acabar mais longe ainda ou até machucar uma das crianças. É: seria o ideal devolver com as mãos...

 

Porém, os quatro meninos deixam a bola escapar e não acontece nada disso: ela cai justo nos pés de um Capricorniano. Ele, se aproveitando da situação, sai conduzindo a pelota como se fosse sua, só de sacanagem. Com isso, os piás precisarão correr muito para recuperá-la. Depois, certamente, continuarão a jogar com muito mais cuidado.

Vim de verso 2

VIM DE VERSO

 

UM SORRISO NO MEIO DO CAMINHO

 

o flanar se aplica à grávida, que levita

habitat de toda a espera, esfera de tanta vida

só mesmo complica a grávida (a que duplica)

se tropica e quase cai, ai!, no largo sorriso do pai