29.12.09

Número 350

TRIBUTO AOS PESSIMISTAS DE PLANTÃO

Coisa irritante é essa época do ano, não acham? Parece que todo mundo resolveu ficar feliz, com uma alegria sem motivo ou, pior, movida apenas pela convenção do calendário. Será que esse coro dos contentes não vê que dezembro e agosto são iguais? E maio e setembro e fevereiro e julho... Só porque resolveram virar o ano nesse período, ficam impondo bem-dizeres. Quem aguenta?

Aliás, espero que 2009 vá embora de uma vez por todas. Êta aninho sem graça! Quando choveu, molhou tudo. Mas não ficou nisso: alagou. Em algumas regiões, consta que foi o ano mais chuvoso em cem anos. Até parece que os outros 99 deram mole para nós: esses caras só olham o lado positivo da estatística! E o sol, então? A camada de ozônio anda uma peneira velha. Com isso, ficou impossível ir para a rua de dia. Nem durante a chuva, pois as nuvens nos molham, mas não barram os raios daqueles raios UV. Saiamos à noite para sermos assaltados!

Dezembro vira uma verdadeira gincana. Não bastasse tudo que se tem para fazer normalmente, ainda tem o Natal. E as mensagens de Natal. E os espiritualizados lembrando todo mundo que as Festas existem para elevar o pensamento. E os lojistas lembrando que o crediário existe para elevar nosso poder de compra. E as financeiras lembrando que os juros existem para elevar seus lucros. E os filhos, netos e sobrinhos lembrando que os presentes simbólicos (maneira educada de dizer baratinhos) existem para elevar nossas culpas. E quando o presente é caro, dizem que também é por culpa da culpa!

É nessa época, também, que tiramos férias. Coisa horrível! Férias é igual a domingo: só existe para lembrar que dura pouco e no outro dia é segunda-feira. Quem vai para o Litoral, fica com inveja dos que estão na Serra. Quem está na Serra, sente falta de um banho de mar. Quem fica na cidade não tem o que fazer, nem amigos para conversar. E, se resolve dar um pulinho na praia no final de semana, fica parado na estrada reclamando que os outros tiveram a mesma ideia. Para viagens, caos nos aeroportos. Roteiros alternativos são sinônimos de mosquitos e banho frio. Aí, o melhor continua sendo ficar em casa: só assim se pode reclamar o ano inteiro que não se fez nada durante as férias.

Quem acha que está ruim, esqueceu dos otimistas. Os queridos que lotam nossa caixa de mensagem com desejos irrealizáveis. Dinheiro, sucesso, amor, amizade... Até parece que o Ano Novo vai ser diferente. Só porque é novo, não quer dizer que não venha bichado. Pensando de modo realista, as chances de baterem no seu carro ao furarem o sinal vermelho continuam as mesmas. Ou melhor: se não aconteceu ainda, só aumentaram! A mulher pode sair de casa, o marido arrumar uma amante, o filho rodar no colégio. 2010 é uma caixinha de surpresas desagradáveis, creia. Está só esperando o dia primeiro para nos decepcionar.

Estou exagerando, é?! Ah, não é bem assim? Parece que eu estou tirando onda, ou disfarçando muito mal o meu otimismo, reclamando de forma caricata? Quer dizer, então, que só vocês podem se queixar e lotar nossos ouvidos de lixo? Antes de escrever, deveria ter desconfiado que é impossível agradar vocês, os pessimistas de plantão.

Agora me afundo de vez: FELIZ, MUITO FELIZ ANO NOVO!

22.12.09

Número 349

NOEL NÃO EXISTE

Eu sei que essa polêmica sobre Papai Noel existir ou não é tão velha quanto piada sobre peru de Natal. Porém, me dei ao trabalho de recolher evidências mais do que suficientes para convencer até mesmo os mais crédulos de que o Bom Velhinho, por mais doloroso que seja, não existe. Vejamos:

Primeiro, quem acharia plausível que um garoto propaganda (e garoto, aqui, soa com muita ironia) ostentasse tamanho sobrepeso em uma época de evidente culto ao corpo? Como pode essa figura ilustre ainda não ter sofrido alguma pressão das entidades ligadas à saúde para deixar de estimular o acúmulo de gordura abdominal, fator de risco às doenças cardiovasculares? Bom velhinho, de verdade, mantém o peso sob controle através de dietas orientadas e exercícios moderados. Mesmo assim, Noel segue brilhando como um ídolo. Por isso, afirmo: esse cara não existe!

Outra: nenhuma de minhas roupas, por mais clássicas que sejam, sobrevive ao tempo sem as máculas da mudança de moda. Seja pelo corte, pelo tecido ou caimento, tudo na indústria do vestuário pede atualização. Sem parar, crescem e diminuem as ombreiras; alargam e estreitam as golas dos casacos e as bocas das calças; sobem e baixam as cinturas; cores vão e voltam... Só o jaquetão vermelho do Papai Noel, suas calças largas, cinto preto de fivela quadrada e gorro (gorro!) de pompom seguem firme. Nem os uniformes dos times de futebol, cuja expressão “uniforme” presumiria longevidade, deixam de ser atualizados. Logo, esse fenômeno fashion natalino, que atende pelo nome de Noel, só pode não existir!

Mas não para por aí. O que diriam meus amigos se eu ainda dirigisse o Corcel 1977 com o qual prestei exame de motorista? Carro muito bom para a época, típico de classe média, não tinha injeção eletrônica, freios ABS, air-bag, vidros elétricos, desembaçador, ar-condicionado, cintos retráteis, apoio de cabeça nos bancos e outros inúmeros itens normais na atualidade. Automóveis como esse foram batizados pelo Collor de “carroças”, lembram? Só Papai Noel não avalia a possibilidade de aposentar seu velho trenó movido por força animal. Então, já viram um homem que jamais pensa em trocar de veículo? Realmente, não existe!

E a barba? Se não for por preceitos religiosos, ninguém mais usa barbas longas hoje em dia. Lembrou do Fidel? Eu também! Mas, sejamos justos: o líder cubano não é parâmetro seguro para quem deseja defender tendência de comportamento. Se o Papai Noel existisse de verdade, já teria sido aconselhado a aparar a barba, como bem manda o visual do momento. Ou mesmo raspar, o que faria Noel rejuvenescer uns cinquenta anos... Além do mais, as mulheres pós-feminismo, seguras do que desejam, andam pouco pacientes com os companheiros barbudões. E um camarada que resiste firme e por tanto tempo à pressão feminina para uma aparadinha na barba não existe.

Por fim, minha tese ganha força lembrando a inquietação que a letra da antiga canção natalina já nos trazia: “Como é que Papai Noel, não esquece de ninguém?”. Do tempo em que foi composta para cá, a população humana cresceu aos milhões, espalhada em cada canto do planeta. A medicina, por sua vez, demonstrou para onde vai a memória com a chegada do Alzheimer. E, nessas todas, como crer que, “Seja rico, seja pobre, o bom velhinho sempre vem?” Nada me faz pensar que alguém desligado de sua saúde, barba por fazer, que não se importa em vestir sempre a mesma roupa e nem pensa em trocar de veículo, vai investir num computador. Avaliando sem paixões, com a quantidade de trabalho que dá atender todas crianças, alguém que confia simplesmente na memória, sinceramente, existe?

PS para o caso de o Noel estar lendo: velhão, você não existe, mesmo!

18.12.09

Número 348

NÃO PERDI: SÓ NÃO SEI ONDE ESTÁ

Existem duas situações que, mesmo diferentes entre si, quando vistas de modo simplificado, se irmanam. Refiro-me a perder as coisas e não saber onde elas estão. Aconteceu comigo esses dias: minha mulher encontrou órfã, na área de serviço, a capinha do recém comprado guarda-chuva portátil. Perguntou onde ele estava. Respondi que não sabia. “Depois reclama quando as crianças perdem as coisas”, ela me repreendeu. Em minha defesa, disse que não havia perdido, só não sabia onde ele estava. Gargalhando, ela não aceitou meu argumento. Porém, sustento que há diferenças.

Por exemplo: se por distração, desleixo ou mera interrupção da tarefa (toca a campainha), eu deixo a tesoura da cozinha sobre a pia. Ato contínuo, alguém passa e a leva adiante. Quando retorno ao local, sem encontrá-la, considero que a perdi? Ou simplesmente não sei onde ela está? Ora, objetos inanimados não mudam sozinhos de lugar. Logo, se alguém pegou de onde eu tinha certeza ter deixado, simplesmente não sei onde está. Mesmo que pareça ter perdido! Nesse caso hipotético, se a pessoa que apanhou a tesoura de cima da pia foi minha esposa, nem é preciso sair da cozinha: basta ir à segunda gaveta (de cima para baixo) e lá estará. Tudo que passa por sua mão repousa no lugar. Mas, e se foi um filho?

Na mesma situação, tudo muda se vou atender à campainha levando a tesoura comigo, e a deixo sobre o chapeleiro do hall de entrada para apanhar a chave da porta ali pendurada. Agora, ao retornar à tarefa, constatarei ter perdido a tesoura. Notem: ninguém mais interferiu na ação. Restará a alternativa de refazer meus passos para tentar de algum modo encontrar o objeto perdido. Isso na hipótese de a esposa já não ter passado pelo chapeleiro do hall de entrada e ter devolvido, indignada, a tesoura para o pouso correto. Sim: aqui em casa, o primeiro lugar para se procurar algo é onde sempre deveria estar. Sou casado com a organização em pessoa.

O caso do guarda-chuva novo foi parecido com o exemplo da tesoura: saí com ele para ir à casa de um vizinho próximo. A chuva prometida não aconteceu: perde-se guarda-chuvas assim. Cauteloso, usei toda minha concentração para voltar com ele para casa. Entrei pela porta da área de serviço. Deveria estar ali, bem próximo de onde ficara sua capinha. Mas não estava. Por isso, justo depois de tanta atenção, de tanta certeza, não aceitei a acusação de tê-lo perdido. Tinha convicção: voltei com o guarda-chuva para casa, só não sabia onde estava. Gargalhadas...

Anteontem (de quando escrevi a crônica) nosso filho encontrou o guarda-chuva. Estava pendurado no cabide de parede onde há bonés, sacolas de feira, guia do cachorro, aventais de cozinha etc. Além de não ser seu lugar habitual, estava oculto pelo avental de churrasco. Em suma, nunca havia saído da área de serviço. Apanhei-o nas mãos, triunfante, e bradei: “Viu só! Eu disse que não tinha perdido! Só não sabia onde estava!” Na certa, alguém o guardou fora do lugar. No caso, se eu tivesse deixado na casa do vizinho, aí sim teria perdido.

Ao escutar meu libelo cheio de entusiasmo, o filhão disse que existe uma comunidade do Orkut com esse nome. Aliás, segundo consta, ele próprio é um dos integrantes. Está lá: “Não perdi, só ñ sei onde está”. Na foto, uma menina mergulhada em seu guarda-roupa. São 801.752 pessoas a me darem razão. Em sua maioria, devem ter sido acusadas injustamente de perder algo. Ganhei o dia!

Desde então, meu guarda-chuva portátil está, devidamente encapado, no lugar certo: no chapeleiro do hall de entrada, junto com suas irmãs sombrinhas. É onde também está pendurada a chave da porta, bem como manda o figurino. E, por falar chapeleiro do hall, se por acaso eu agora precisar da tesoura, sei exatamente onde encontrá-la.

Na segunda gaveta da cozinha, de cima para baixo. Claro!

10.12.09

Número 347

AMIGO SECRETO

Um dos mais tradicionais ritos de final de ano é o amigo secreto. Em resumo, um sorteio para definir a quem presentear entre familiares, colegas de trabalho, amigos, vizinhos ou qualquer outro grupo que pretenda festejar Natal e Ano Novo. Prenúncio de desastre, ele é adotado pelo mesmo motivo por que optamos pela democracia: dos males, continua sendo o menor. Comprar presentes para todos é muito caro. Para ninguém, antipático.

Desde a primeira vez em que participei de amigo secreto, assisti inúmeras tentativas de aperfeiçoar o método. Por exemplo, estipular um valor a ser despendido. Fruto do nobre intuito de evitar constrangimentos entre humildes e abastados (ou domar avarentos e perdulários), o parâmetro monetário já apresenta defeitos na largada: nunca há consenso. Uns acham impossível comprar algo de qualidade por R$10,00, outros preferem morrer a gastar R$50,00 nessa bobagem. Deixar em razoáveis vinte ou vinte e cinco reais pode até funcionar. Mas sempre aparece aquele maldoso fofoqueiro dizendo que determinado presente está por R$9,90 na loja da esquina, e olhe lá!

Outra forma de fazer o amigo secreto menos acidentado é o uso da lista de presentes. Nela, há um quadro em local público e, ali, cada um coloca o que gostaria de receber. Gravata, saleiro, tesoura de jardim, caneta tinteiro, xícara decorada... Aí começam a perverter: Grazi Massafera, Ferrari, laptop, a paz mundial etc. Mesmo quando todos levam a lista a sério, o risco de receber um presente horrível permanece. Uma vez coloquei na lista: despertador. Pensei que seria algo útil, fácil de encontrar, barato e com mínimas chances para o azar. Ganhei um relógio de mesa de ursinhos, daqueles que parecem esculpidos em durepoxi. Até hoje fico intrigado: devia ter uma mensagem subliminar embalada no mesmo pacote. Ninguém dá um presente desses sem segundas intenções...

Porém, o mais bizarro amigo secreto que já soube foi em uma empresa cuja gerente de RH era tão esforçada quanto inconsequente. Por uma teoria maluca, decidiu fazer um amigo secreto temático. Todos deveriam presentear os colegas com roupas íntimas. No quadro de dicas, as seguintes alternativas: convencional, moderno, avançado, sexy ou fetichista incorrigível. Depois, P, M, G ou XG. Frisson geral, comentários ruidosos, promessas de sacanagem... A empresa era só alegria enquanto dezembro avançava. Era de se tirar o chapéu para a RH, pois ela conseguira um ambiente descontraído em uma época do ano cheia de stress. Todos achavam graça, menos o Durval.

Durval recém havia começado no emprego e era muito, muito tímido. Não tinha coragem de perguntar quem era Gessy, que nunca encontrara em sua rotina. Com certeza trabalhava, como ele, direto em serviços externos. E lá estava no quadro de dicas, supostamente marcado por Gessy: sexy, M ou G – quem haveria de duvidar? Durval, filho temporão e solteiro, não fazia ideia de como escolher uma boa lingerie. Encheu-se de coragem e comprou um baby-doll azul turquesa. Tamanho G: não queria parecer vulgar.

Quando o Dr. Gessy, diretor da empresa, foi saudado ao microfone, Durval pensou que fosse enfartar. E, segundo o protocolo, o chefe precisava ser o primeiro a receber o presente (voltaria para São Paulo em poucas horas). Durval subiu ao palco e improvisou: disse que comprara o presente pensando em quanto o Sr. Gessy apreciaria retirá-lo de sua companhia amorosa. Aberto o pacote, todos passaram mal de tanto rir. O próprio Dr. Gessy se contorcia. Depois do surto hilariante, aos sussurros, começou um bookmaker para descobrir se o pobre Durval resistiria no emprego até o Ano Novo.

Em dois dias saiu a nota de demissão: foi-se a gerente de RH. Durval se mudou para São Paulo, promovido ao escritório central. Hoje é o braço direito do Dr. Gessy. Sem dúvida, o danado acertou na cor.

3.12.09

Número 346

NO FUNDO, É TUDO AO CONTRÁRIO

No fundo, no fundo, os torcedores do Flamengo estão torcendo muito para o Grêmio engrossar o caldo no último jogo do Campeonato Brasileiro de 2009. Impor uma resistência brava, gaúcha, Farrapa! Transformar o Maracanã em um novo Estádio dos Aflitos e, quem sabe, lançar um DVD em 2010. Se os gremistas amolecerem, se entregarem o placar sem resistência alguma, de modo vergonhoso e pusilânime, o título ficará para a eternidade maculado – e de modo indelével. Não faltará, em nenhum dos botecos cariocas, um vascaíno para dizer a verdade: sem luta, não há mérito. O verdadeiro rubronegro almeja o título depois de uma batalha inesquecível.

No fundo, bem lá no fundo, os São-paulinos e Palmeirenses torcem de modo apaixonado pela amarelada do Grêmio no próximo domingo. Nada melhor do que conspurcar um título dos cariocas colando na faixa um episódio sórdido de entrega covarde capitaneado – que espetáculo! – por gaúchos. Aliás, isso será motivo de novas piadas sobre a masculinidade do Centauro dos Pampas, com requintes de crueldade. Todos os paulistas esquecerão o papel ridículo a que se prestou o Corinthians, cujo goleiro correu o risco de defender um pênalti sem sair do lugar: em ato reflexo, por pouco não esticou o braço para o lado. É o que bastaria para bloquear um chute quase no meio do gol. Depois, bateu palmas.

No fundo, no fundinho mesmo, os colorados torcem muito para os rivais humilharem-se no lendário palco do futebol mundial, ainda mais diante de todos os olhos da nação. Essa atitude colocaria para baixo do tapete uma quantidade enorme de pontos desperdiçados em jogos fáceis, diante da torcida, em pleno Beira-Rio. Nas contas de qualquer analista neutro, durante jornadas ridículas da equipe, o Inter jogou fora nada menos do que cinco pontos. Isso sem falar no prazer em lembrar dessa passagem negra da biografia tricolor para sempre. Aliás, seria uma atitude representativa para tantos outros fracassos no Rio Grande do Sul: aqui, se torce mais para o malogro do outro do que para nosso próprio sucesso.

No inconfessável fundo da alma, os gremistas de verdade torcem muito e fervorosamente, domingo, por aplicarem uma goleada heróica no Flamengo. Depois, todas as possibilidades de resultado no Beira-Rio são deliciosas: se o Inter empatar ou perder, a flauta será histórica. Se ganhar do mísero Santo André, os alvirrubros ficarão devendo este título para o rival por, no mínimo, três gerações. E, aos olhos da nação, a bravura tricolor fará sombra à taça de qualquer um dos beneficiados – prato cheio para quem se gaba de feitos improváveis, mesmo quando em escalas inferiores.

No fundo, bem no fundo, é tudo ao contrário do que parece. Mas ninguém está muito interessado em chegar no fundo dessas questões. É na superfície que respiram as aparências e derramam-se as lágrimas.