22.4.10

Número 366

PÓS-MATRIMÔNIO

A história é mais ou menos essa:

No táxi, enquanto voltava para casa, ela acompanhava com uma certa vertigem a paisagem correr na janela. Trazia na bolsa diversos exames laboratoriais e um diagnóstico preocupante: grave doença, escasso tempo de vida. Não pensava nas dores, no desconforto do tratamento, na despedida em cada sorriso dos netos. Mirando as árvores frondosas nas calçadas do bairro, pensava em como iria se virar seu velho quando ficasse viúvo.

Montaram uma família tradicional, conforme ditava a época: ele era um profissional competente e obtinha o sustento de todos. Ela trabalhava em casa, administrando o lar e a vida do marido e dos filhos. A seu modo, cada um dependia do outro e, também, amparava-o. Porém, esta base não previa a ausência de um dos pilares. Antes mesmo de o táxi chegar ao endereço indicado, ela decidira reequilibrar as tarefas, capacitando seu marido a manter o lar de pé, mesmo quando só. Afinal, estava aposentado.

O Curso de Viúvo começou pelo começo: deu a ele a incumbência de arrumar a cama. Lençóis esticados, trocados a cada semana ou duas, envelopando a colcha ou, no inverno, o cobertor. Travesseiros gostam de sol e ar! Por isso, as janelas devem ser abertas pela manhã, sempre de olho em caso de promessa de chuva. A cobertura de patchwork cumpria, sim, apenas uma função estética. Porém, harmonia e beleza compunham toda a vida da família e mereciam ser preservadas.

Seguiu ensinando a preperar o café, escolher frutas na feira, montar lista de supermercado – reconhecendo marcas de papel higiênico, pasta de dentes, sabonete, xampu, desodorante etc. Apresentou o marido à máquina de lavar, orientou sobre a técnica de estender a roupa no varal e deu dicas preciosas para saber quando a peça estaria efetivamente seca. O marido também aprendeu pratos ligeiros para o dia-a-dia, acondicionamento de sobras na geladeira e freezer, uso econômico do forno de gás e de microondas. Ela mostrou onde a faxineira costumava relaxar durante o trabalho, como manter o guarda-roupas organizado, o lugar de cada utensílio doméstico e, claro, os telefones necessários (farmácia, jardineiro, eletricista, encanador, chaveiro, costureira...).

O tempo foi passando junto com as lições. O marido ficava cada vez mais estupefato com a complexidade que envolvia as tarefas de um lar. Isso que já não tinham mais os filhos em casa! Era um aluno aplicado mas, às vezes, teimoso ao propor um método próprio, contrariando as orientações da professora. Algo plenamente tolerado: parecia, finalmente, que ela teria paz ao partir. O problema é que sua saúde melhorava sem parar, enquanto o marido queixava-se de cansaço.

Tenho certeza de que – tão previsível! – você adivinhou o final: o velho morreu primeiro. Homens têm essa mania. Parece que foi a famosa combinação de pressão alta com coronárias entupidas. Assoberbado de tarefas, mais do que nunca tinha justificativas para não ir ao médico. Homens também têm essa mania. Restou à velha a condição de viúva, sem curso nem nada. O filho socorreu com a burocracia mais imediata e, depois, ela foi aprendendo tudo na base do maior esforço.

Rapazes hoje em dia sabem ser viúvos desde mais cedo, no estágio solteiro. Depois, cursam mestrado e doutorado no lar enquanto estão divorciados. Todavia, poucos usarão tudo o que dominam na viuvez. Ao menos enquanto não aprenderem o endereço do médico.

Sim, meu anjo, isso vale para mim. Amanhã, prometo!

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