25.2.11

Outra vez, o fim da calvície

410
Rubem Penz
Desde que a perda gradual dos cabelos passou a ocupar minha cabeça, e isso já tem quase 20 anos, ouço falar em cura para a calvície. Mas a promessa de repovoar o alto do crânio com madeixas firmes e fartas; loiras, ruivas ou morenas – ou mesmo brancas, vá lá –, é muito mais antiga na humanidade. Quase uma histórica obsessão farmacológica. E sempre com a convicção de que aquele que encontrar a fórmula mágica ficará milionário. Afinal, está aí um ponto que cala muito fundo na vaidade masculina.
Leio agora que, mais ou menos sem querer, pesquisadores que estudavam os efeitos do stress no trato gastrointestinal de roedores parecem ter encontrado um novo caminho. Ratos modificados geneticamente produziram em excesso determinado hormônio ligado ao stress e, assim, perderam seus pelos das costas quando ficaram velhos. Para a surpresa geral, uma substância desenvolvida para bloquear o efeito de tal hormônio devolveu a pelagem original aos bichos, tornando-os indistinguíveis daqueles do grupo de controle. Quer dizer, mataram dois ratos com uma cajadada só: o nervosismo e a pelagem.
Sobre isso, duas observações: fica comprovado cientificamente um antigo dito popular, segundo o qual as preocupações é que fazem a gente perder os cabelos. Por mais que os fatores hereditários incidam preponderantes, ou que alguns hábitos possam agravar o caso (como o uso abusivo de chapéu ou boné), aquilo de dizer "Filha, assim o teu pai perde até o último fio de cabelo", agora, mais do que nunca, é verdade científica! A outra observação é que um homem não "parece" mais sério (severo, comprometido, cioso) depois de calvo. Ele realmente é assim!
Digamos que a fórmula que promete resolver a queda definitiva dos cabelos, dessa vez, seja para valer – falo em hipótese porque estou careca de ler falsas juras. Como fator mais positivo disso tudo, a humanidade estará livre do Combover, aquele penteado que deixa um dos lados bem longo para disfarçar a aridez no alto da cabeça passando a madeixa por cima e colando com gel. Quem se submete a esse papelão – e são muitos! – merece a cura de seus males. O pobre, junto com o cabelo, perdeu a noção. Ou acha que não percebem o truque? Considero tal penteado e a peruca os maiores equívocos da vaidade masculina.
Porém, mesmo o remédio sendo quente, haverá quem opte por não fazer o tratamento. Afinal, alguns homens ficam mais bonitos sem cabelo. Lembro do Yul Brynner, por exemplo – usar o cinema é uma ótima estratégia, pois ficaria chato nominar amigos... E no meu caso, a calvície teve lá seu benefício estético. Sim! Numa época, serviu para amenizar a eterna cara de criança, que traz vantagens, mas cobra alto preço na juventude. Agora, sem esse risco, e quando parecer jovem viria apenas com o bônus, acho que meu processo poderia ser revertido para um ponto de mais ou menos doze anos atrás, ainda na fase das "entradas". Quer dizer, eu sou um cliente potencial, mesmo que para meia dose – não abro mão da testa longa.
Antes de encerrar, gostaria de lembrar que, pela importância da queda dos cabelos, algo está sendo deixado de lado, isto é, este tratamento da calvície originalmente combate o hormônio do stress. Percebam a vantagem adicional do remédio: se não der muito certo, o paciente restará calminho, resignado, tranquilo... Conformado! Logo, um bom negócio até quando fracassar. Será que o laboratório tem ações para serem adquiridas na bolsa?

Atenção: a oficina Santa Sede, crônicas de botequim Safra 2011 está com inscrições abertas. Vagas limitadas! Detalhes no site aí abaixo. 
--
Visite-me em:www.rubempenz.com.br
www.rufardostambores.blogspot.com

18.2.11

Voz de comando

409

Rubem Penz

A voz que indica os caminhos nos aparelhos de GPS, acessório cada vez mais presente nos automóveis, é predominantemente feminina. Quer dizer, há uma mulher dizendo a quem está ao volante para onde deve seguir. Também é uma mulher que indica os voos de partida e chegada nos aeroportos e, nas lojas, chama pelos pais de uma criança perdida. Isto não é coincidência. Uma das razões para que seja assim passa pela suavidade – a tonalidade das mulheres é mais agradável. Outra, e talvez mais importante, é que fomos, desde a infância, acostumados a ser mandados por mulheres. E, pensando bem, vozes masculinas no GPS podem gerar muitos problemas.

Por exemplo, uma moça independente, solteiríssima, cabeça feita, senhora de si desde os bancos universitários coloca uma voz de homem no GPS do carro. Ele, imediatamente, começa a lhe dar vozes de comando: vire ali, volte acolá, apanhe o caminho da esquerda. No primeiro trajeto é divertido. No terceiro dia, tolerável. Porém, não dou duas semanas para ela trocar por uma voz de mulher só para livrar-se daquele homem insuportável que pensa que pode mandar nela só porque acha que conhece o caminho. Isso sem falar no caso de, acidentalmente, ocorrer alguma falha na indicação. Se for homem, para ela, além de inesquecível, isso será imperdoável, ainda mais se coincidir com a TPM.

Para quem considera meu exemplo tendencioso, vamos dar um giro de cento e oitenta graus na motorista: ela agora é uma mulher de seus trinta e poucos, casada, mãe em tempo integral e dona de casa. Quando o GPS homem passa a distribuir suas ordens, algo no subconsciente começa a perturbar – não basta o marido para decidir os rumos de suas despesas, agora vem outro homem para mandar nela dentro do carro. Pior mesmo só se ela chegar à conclusão de que está com dois homens lhe torrando a paciência, e sem nenhum para lhe pegar no colo, deitar-lhe no solo e lhe fazer mulher (é delicioso citar Wando). Como é mais complicado trocar o marido, dará um jeito de alterar a voz do GPS.

Mas, digamos que o fabricante do GPS identifique no aparente autoritarismo chauvinista embutido no tom mais grave a raiz do problema, e resolva dotar o sistema com um locutor pleno de delicadeza, educação e tato. Algo que beire à afetação. Assim, seus comandos começariam com infalíveis pedidos de favor ou corretíssimas solicitações de licença. E sempre terminariam pontuados pela gratidão. Tipo: "Por obséquio, seria adequado dobrar à esquerda na próxima esquina. Muito obrigado." Ou: "Por favor, utilize se possível o próximo desvio para acessar a via lateral. Agradecido." Desastre. Para umas, estouraria a paciência pelo excesso de cerimônia. Outras considerariam, simplesmente, deboche.

Mas o GPS com voz masculina não é preterido apenas por mulheres. Lógico! Homem que é homem sabe o caminho melhor do que qualquer programador de meia tigela. E, por sua natureza competitiva, desacataria os comandos de outro homem só para provar que conhece uma rota alternativa mais curta, menos movimentada, duas vezes mais rápida. Melhor: deixaria o GPS desligado sempre que soubesse mais ou menos onde fica o endereço. Isto é, absolutamente o tempo inteiro. Ou alguém já viu um homem em sã consciência assumir que está perdido?

Quando o GPS com voz masculina ditar ordens em um carro com um casal, imagino que teremos briga na certa, conseqüência direta das reações naturais de macho alfa:

– Benhê, diminui a velocidade que ele disse para entrarmos na próxima avenida.

– Se acha que ele sabe mais, casa com ele, então...

Pois é... Por uma voz feminina, as mulheres compreendem as indicações de rota como sendo "dicas" da amiga eletrônica. E para os homens, são "pedidos" de uma mulher digital muito simpática que, inclusive, parece estar lhe dando mole. Logo, não custa atender. Tudo muito mais suave e palatável. Eu, pessoalmente, jamais ouvi um destes aparelhos com voz grossa.

Só para não perder a oportunidade, outra hipótese é ser o GPS com voz de mulher a mera confirmação da minha tese sobre as relações heterossexuais. Diz ela que o casamento é a união entre duas pessoas: uma é a que manda; a outra é o marido.


 
Visite-me em
 

 

10.2.11

Sensibilidade

408 
Rubem Penz
Paira uma lenda de serem os homens uns insensíveis, que apenas as mulheres guardam todos os detalhes, mas não é verdade. Não mesmo. Ou não mais. Orgulho-me em dizer, por exemplo, que lembro em pormenores o nosso primeiro encontro. A faísca do meu olhar contigo nos braços era tão visível e intensa e desejosa e promissora que espelhava-se na face dos demais, daqueles poucos que nos viram sair juntos. Alguns invejaram nosso encontro. Em outros brotou aquela melancolia vinda da apreciação de sua rara estampa – dali para adiante minha, de ninguém mais.
Mas nada aconteceu na primeira noite. Já não me consome a urgência da juventude, uma sem cerimônia para a entrega imediata ao prazer. Uma vertigem, uma embriaguez desenfreada e sedenta. Sofreguidão. Engolir-se tanto e tão rápido que, em igual velocidade, há o fastio. Todas, assim, logo soam vazias. Homens experientes permitem que o tempo de espera acresça desejo. E nós estávamos entregues um ao outro apenas na manhã seguinte. Uma longa e ensolarada manhã de sábado. Antes do almoço, para abrir o apetite. Você dividindo meus lábios com o óleo de oliva que escorreu no dedo enquanto temperava a salada.
Neste ritmo, que respeita o anseio e as pausas, seguiu nossa relação. Sem hora marcada, sem dependência – vício seria a melhor palavra, e fugimos dela com medo da verdade. Ora escutando um jazz, ora em silêncio. Às vezes cedo, outras antes que parecesse tarde demais. Sempre lentamente, jamais começando no momento em que houvesse pressa para nos deixarmos. Para espanto dos que me conheceram em outro momento da vida, estivemos juntos por longo tempo. Inimaginável tempo. Ah, o que faz de diferença um pouco de amadurecimento em um homem... Eu mesmo cheguei a estranhar, nunca permanecera tanto.
Eterno enquanto dure. Vinícius de Moraes. Poeta que não foi de uma – foi de todas! Ensinou que tudo tem seu tempo, o esgotamento é inevitável. Agora, frente a frente, desconsiderando os conselhos do bom malandro, abro meu coração para confissões que nunca devemos fazer: muitas vezes deixei de lhe procurar justamente para retardar o fim. Conscientemente. Talvez na mais avessa das provas de afeição. E fui infiel. Pior: na rua, estive entregue aos excessos que tanto e mais sonegava em casa. Canalhice total. Não me odeie. Ódio, devemos ter do infalível fim. Sejamos sinceros, já não há trocas possíveis. Entre nós, restou o gelo. Cumpriu-se o ciclo. Cada um, a seu modo, entrará em processo de reciclagem.
Meu futuro você já sabe – sempre sabem. Outras, tão novas quanto você foi um dia, brilham e me sorriem enquanto passo. Em breve, depois de lhe ver partir, ou mesmo antes, terei companhia. Com bastante dinheiro é fácil, dirá. Sou obrigado a concordar. Mas serão só seus, exclusivamente seus, os tantos momentos em que estivemos juntos. Adeus. Até nunca mais.
Escorre a última gota feito lágrima tardia sobre a pedra. Goodbye minha querida garrafa de uísque 18 anos.  

4.2.11

Número 407

Et Cetera

Rubem Penz

Soube de uma história inverídica que, mesmo que fosse mentira deslavada, bem que pareceria verdade. Um amigo bem desolado procurou por Áureo (ocultarei sua identidade neste nome fictício). Pediu para sentarem em um lugar discreto, pois haveria um tema delicado para abordar. Áureo ficou levemente apreensivo e não deixou que chegassem ao assunto antes de dois ou três chopinhos, para dar uma relaxada. Deu certo, pois ambos deram risadas relembrando passagens da vida escolar. Depois de julgar que o clima estava mais suave, Áureo se fez ouvidos. Depressivo outra vez, o amigo chegou ao ponto: Sabe – falou acabrunhado e com a voz fugidia – notei que eu estou sempre, sempre, sempre lá no etc.

Atormentava-o a certeza de nunca ser mais do que um entre tantos, justamente aqueles mesmos sempre presentes, contados, esperados, desejados até, mas jamais nomeados. Sentia-se o eterno dançarino do corpo de baile. Figurante em cena. Rosto buscando desesperadamente a brecha entre os ombros no fundo da fotografia, mas nem assim sendo reconhecido. E, para piorar, carregara a família para o mesmo destino. Não que almejasse pódio, prêmios e honrarias. Estava consciente de que nunca galgara a altitude dos campeões. Seu pleito era mais modesto: bastava-lhe uma citação nominal, por menor que fosse.

Confessou que nada disso fora muito importante até então. Mas agora que os filhos estavam crescidos, cada vez mais informados e críticos, cobravam-no a suposta invisibilidade a todo instante. Ué, você e a mamãe não estavam nesta festa, papai? – disse uma, folheando a revista. Este ocupando meia página de jornal não é o seu colega de trabalho? – falou o outro. Não entendo, papai: pagaram uma nota para estarem no camarote do show, entrevistaram quatro ou cinco pessoas e vocês só apareceram nas frações de segundo de uma tomada panorâmica típica de edição... – reclamou a mais velha.

Áureo colocou a mão no ombro do amigo e disse compreender. Ponderou que a geração dos seus filhos estava sendo criada em um momento histórico diferente, até certo ponto doentio. A massificação das mídias, o fenômeno das redes sociais e sites tipo youtube deram para eles a falsa impressão de que são melhores os homens e mulheres que aparecem mais do que os outros. Porém, o culto à celebridade instantânea, tipo Big Brother, na realidade criava ídolos sem critério. E que isso tornou o verdadeiro mérito da visibilidade algo até certo ponto questionável. Por fim, disse que não cansava de denunciar isso nas diversas entrevistas que dava na TV, no rádio e no jornal.

Naquele instante, Áureo sentiu que pisara na bola. Também se arrependeu dos tantos chopes que havia insistido em consumirem. O amigo bateu com força na mesa e esbravejou que era disso mesmo que ele estava falando, e que não entendia como um deles estivera continuamente citado em tudo o quanto era oportunidade, enquanto o outro, sempre ao seu lado, permanecia invisível. Anonimamente, trabalhara para eleger Áureo representante de turma, conselheiro no clube, presidente na associação, delegado nos congressos... E eu? Sou menos do que um cão – falou aos prantos – pois ele ainda ganha afagos.

Foi quando o amigo, num rompante, apanhou uma faca na mesa ao lado. Matou Áureo em cena violenta, estúpida, chocante.

No dia seguinte, todos os conhecidos foram surpreendidos quando viram o jornal. No rodapé, o clube e a associação pagaram belos anúncios fúnebres. Áureo também apareceu em perfil extenso e detalhado na coluna de obituário. Enquanto isso, a manchete de capa estampava garrafal: "Dezessete mortes em fim de semana violento". Na fotografia, o destaque foi para uma chacina em boca de fumo. No corpo da notícia apareceu o caso do ladrão em fuga que bateu no ônibus que voltava de uma romaria, o afogamento de um operário na estação de tratamento de água, o filho do comerciante que fora baleado diante do pai etc.