30.5.12

Ah, pois é...

Um verdadeiro negociador não nasce quando há o que ser conquistado, e sim na iminência de algo a ser perdido.

Para o primeiro caso, o déspota é mais eficaz.


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25.5.12

Calando por si

Número 474
Rubem Penz
– Arlete, promete ser fiel ao Pedro Geraldo na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, amando-o e respeitando-o, agora e para sempre, de manhã, de tarde e de noite, domingos e feriados, por todos os dias da sua vida? (...) Perdão, não ouvi? (...) Como assim, "todos têm o direito constitucional de jamais produzir provas contra si"?
***
Você está na cadeira do dentista. Há três algodões entre a bochecha e a gengiva (pensei que jamais escreveria uma crônica com essa palavra), um o sugador dependurado e uma broca cujo sonho secreto é beliscar sua língua. Então, o dentista faz uma pergunta atrás da outra. Saiba que, constitucionalmente, você tem o direito de ficar calado. Mas, dá muita vontade de mandá-lo para aquele lugar!
***
Juquinha prestara muita atenção ao jornal da TV que coincide com o horário do jantar. No dia seguinte, durante a prova oral em que o professor cobrava o conteúdo, sustentou que poderia ficar calado sem que o professor pudesse fazer nada. Estava na constituição, segundo escutou o comentarista político: "Ninguém pode ser obrigado a produzir  (sic) prova contra si...". Vai precisar mais do que um advogado. Quem sabe um professor particular. Ou, no mínimo, deve limpar os ouvidos.
***
– Querida, você esteve estranhamente calada essa noite, onde foram parar os gemidos sensuais?
– Sabe o que é, meu bem, aderi à sacanagem do momento.
– Como assim?
– Ficar calada e não produzir nenhuma prova de afeto.
– Nossa, é muita sacanagem...
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– Décio, estava aonde? E com quem você estava? Lá isso são horas de chegar? Custava deixar o celular ligado? Por que sua camisa está para fora das calças? Pensou que eu estaria dormindo? Pensou que 'alguma vez' eu estive realmente dormindo? Passou pela sua cabeça que isso aqui é uma família? Sabe que horas eu vou levantar amanhã, ou melhor, hoje? Acha que dormirá na nossa cama? Quer um travesseiro para dormir no sofá? Tenho um bom aqui, ó: tua amada Constituição!
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Alguém pensou na possibilidade de os depoimentos em tribunais ou CPIs produzirem provas a favor de si? Ou quem pensa assim é muito inocente?


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18.5.12

Pelas caronas

Número 473

Rubem Penz

Oferecer carona é uma ação de solidariedade e desprendimento. Significa conduzir terceiros em seu veículo de graça, super na boa. Ou, em suave contrapartida, com o desejo de compartilhar da companhia no trajeto. Acontece apenas quando se está com a mente aberta e o coração tranquilo. Em tempos de desconfiança patológica e individualismo crônico (justificáveis face à violência), pessoas dispostas a dar carona são raras como ararinhas azuis. É preciso preservá-las. E a melhor forma de fazê-lo é aprendendo a ser bom passageiro.

Há, basicamente, duas situações de carona: combinada e eventual. A primeira obedece a um trato, a outra segue as leis do acaso. Para ambas existe um manual de etiqueta não escrito. Desrespeitá-lo pode causar no motorista o perigoso arrependimento. Lembre-se: ao se arrepender, o motorista estará matando aos poucos o ânimo de ofertar caronas futuras. Isto é, deixando de reproduzir novas oportunidades, caminho da inexorável extinção.

O mandamento número um de quem pega carona combinada é ser pontual. O pidão consciente estará no local antes da hora aprazada. Também evitará que o motorista precise descer, chamar num interfone ou campainha, ajudar com bagagens. Jamais peça a quem ofereceu carona para que ele mude o caminho original. Adapte-se. Se ele oferecer alguma facilidade, aceite apenas depois da insistência: comece com um "não precisa" ou um "não queria dar trabalho". E, ao desembarcar, agradeça sorrindo – deixe sua melhor imagem seguindo no carro.

Para as caronas eventuais, aquelas pedidas a desconhecidos ou quando um vizinho repara em você esperando o ônibus, o mais importante é a simpatia não invasiva e a gratidão antecipada. Entre já agradecendo e seja tão cordial quanto econômico. Responda mais do que pergunte, fale apenas o indispensável e jamais discuta temas polêmicos. Uma pregação política, esportiva ou filosófica fará o motorista se arrepender até o último fio pubiano por tê-lo deixado embarcar.

Por fim, seja coadjuvante e peça licença para tudo. Jamais tome a iniciativa de trocar a estação de rádio. Não mexa no ar condicionado nem suba (desça) os vidros: diga que está com frio ou calor. Evite ao máximo mover as regulagens dos bancos, use cinto de segurança e, principalmente, não repare em nada. Se o motorista disser que o carro está sujo, responda "nem reparei". Bagunça das crianças? "nem reparei". Pelos do cão por tudo? "atchim, nem reparei". No porta-malas da consciência ele sabe que você reparou (sempre reparamos).

Lembre-se: o arrogante nunca oferecerá carona, enquanto o solícito merece respeito, simpatia e reconhecimento.

PS.: Li que em São Paulo um site oferece uma espécie de agendamento de caronas. É a nova linguagem encontrando o velho hábito para resolver graves problemas.


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15.5.12

Oficina com inscrições abertas!


Primeiros passos na crônica

 Estão abertas até o dia 11 de junho as inscrições para a oficina Aperitivo Santa Sede – introdução à crônica, ministrada pelo escritor e músico Rubem Penz. Serão doze encontros, às terças-feiras, das 19h30 até às 21h30, oferecidos para os apreciadores, leigos ou não, exercitarem os encantos do gênero.
A proposta segue os moldes da oficina Santa Sede – crônicas de botequim, realizada à mesa de um bar, buscando reproduzir um dos aspectos essências do estilo: a conversa fácil e descontraída. Nesta edição, os encontros acontecem no bar Apolinário. As vagas são limitadas.

Síntese do programa:

Definições de crônica e seus principais expoentes. Variações na crônica a serem exercitadas: crônica/conto, crônica que evoca a memória, crônica de efeméride, crônica/resenha, crônica híbrida (artigo/conto), crônica/artigo, a crônica e a cidade, crônica paródia, crônica em prosa poética e crônica mimética.


O que: Aperitivo Santa Sede – oficina de introdução à crônica
Quando: de 12/06 até 28/08/2012, terças-feiras, das 19h30 até às 21h30
Onde: Apolinário, Rua José do Patrocínio, 527, Cidade Baixa, Porto Alegre

Inscrições: rubempenz@gmail.com ou pelo fone (51) 9123.5540

11.5.12

Cuidado, forte

Número 472
Rubem Penz
Um conhecido ditado sobre as relações humanas diz que, na desilusão, o cristal do vínculo se vê trincado. Não rompe – é seu limiar, sua promessa. Basta uma pequena alteração de temperatura, choque suave ou olhar torto para espatifar-se. E cristais jamais se recuperam: quando em pedaços, as partes são inconciliáveis e sem valor.
Daí a razão de pisarmos em ovos. Cuidamos ao falar algo ao cônjuge, medimos as palavras no trabalho, somos prudentes com amigos. Sacrificamos a franqueza que promete colisões. Engolimos sapos, contamos até dez, deixamos assim. Isso, ou pisaremos em cacos de vidro em constante guerra.
Há quem veja nessa cristalina fragilidade um grave problema na entropia dos centros urbanos. Verdade: ninguém gosta de viver pressionado pela iminência de não mais retomar a estrutura original de um relacionamento. Porém, outro lado deve ser levado em conta: desobrigados a lidar com a prudência, abandonaríamos a delicadeza – excelente conquista civilizatória. Compreensão e tolerância, também: valores louváveis diretamente vinculadas à evolução espiritual.
Agora, o mais impressionante: ao julgar o laço materno como sendo o mais resistente, seja por solidez ou maleabilidade, tendemos à imprudência. Parece que tudo o que se faça (ou que se deixe de fazer) será perdoado. A quem ama de modo incondicional estaríamos autorizados a mostrar a face mais amarga, o ranço mais empedernido, o egoísmo mais torpe. E, pior, de modo acusatório: veja quem sou eu de verdade e assuma sua culpa nisso.
Exagero, mas há verdade por trás da contundência: confiando no indefectível amor de mãe, não as poupamos de nós mesmos. O mundo pode nos magoar. Ela, jamais. Pode ser injusto (ou justo com nossas falhas). Ela, jamais. Pode esquecer-se de nós. Ela, jamais. Pode ser áspero, surdo, indigesto. Ela, jamais. A todos devemos tolerância sob o risco de ver o cristal das relações trincado. Quanto à mãe, ela que suporte a carga de ser perfeita e indestrutível, mesmo que nós a tratemos com desleixo.
No dia das mães e nos dias de filho (os demais), quero pedir perdão por todas as vezes em que fui descuidado. Também perdoá-la como sou obrigado a fazer com os outros. Já sei, mãe: você resiste. Mas nem assim é justo.


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4.5.12

O repórter e o Lobo

Número 471

Rubem Penz

Era uma vez Pedro, repórter investigativo muito articulado, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. Certo dia descobre algo muito perigoso. No jornal, a manchete:

"Lobo deixa apenas a carcaça de cordeiro no Sítio Pascoal"

E corre delegado, vereador, prefeito e padre para a cena do crime. Está lá o pobre cordeiro aos pedaços, subtraído pela gula mortal do Lobo. O problema é que o Lobo tem boas relações com a capital – não é bom negócio para a aldeia prejudicá-lo por um cordeirinho de nada. Somem com a carcaça e combinam a versão: alarme falso.

Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado e curioso, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No dia seguinte descobre algo muito mais grave. No jornal, a manchete:

"Carcaça de cordeiro do Sítio Pascoal encontrada em cova rasa"

E corre delegado, vereador, prefeito e padre para o local. O trabalho de ocultação da carcaça fora mal feito, mesmo. Não há mais competência na arte de sumir com evidências. Agora, a versão deve ser a de que não fora o Lobo a matá-lo, e sim um bicho de fora, da montanha, com certeza. O jornal estaria pretendendo ligar o cordeiro ao Lobo por interesses escusos.

Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado, curioso e determinado, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No terceiro dia descobre algo muito mais comprometedor. No jornal, a manchete:

"Testemunhas teriam visto Juvêncio retirando cordeiro do Sítio Pascoal"

E corre delegado, vereador, prefeito e padre para a casa de Juvêncio, que ganha uma passagem só de ida para a capital. Também articulam uma campanha difamatória para as supostas testemunhas, além de acusar Pedro em pessoa de ter ligações com a prima do dono do Sítio Pascoal – fizeram a 4ª série na mesma escola. O repórter não teria a isenção necessária.

Mas Pedro é um repórter investigativo muito articulado, curioso, determinado e inteligente, sempre dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. No quarto dia descobre algo muito mais surpreendente. No jornal, a manchete:

"Delegado, prefeito, vereador e padre sabem e escondem a verdade"

E corre todo mundo até a prefeitura para formar um gabinete de crise. Era mais do que necessário blindar o Lobo, nem que fosse com alguma dose de sacrifício. Neste momento, um incêndio repentino encurrala o grupo, matando tragicamente as principais lideranças da aldeia.

Pedro, um repórter investigativo muito articulado, curioso, determinado, inteligente e ético, permanece dedicado a denunciar o que de ruim pudesse ocorrer na aldeia. E descobre algo muito mais assustador no quinto dia. No jornal, a manchete:

"Incêndio na Prefeitura não foi um acidente"

Acontece que ninguém mais acredita nas notícias de Pedro.


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